quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Trajeto passivo

Meus pés estão numa rua,
Alinhados às diversas de oportunidades,
Essas, milhares de sussurros uníssonos
Soando em meu ouvido,
Equilibradas, todas,
Pela minha ambição de tudo.

E a balança não pende,
E escolhas não são feitas.
A existência, porém, leva-me,
Já o tempo carcomido, embrulha o vazio
Com um papel-de-presente chamado esperança.

Atravesso a rua, cumprimentando cada possibilidade...
Probabilidades infinitas, essa minha vida,
Mega-Sena sorteada,
Como eleição unânime dos Deuses.

Sou simpática a todas elas,
Acaricio o seu potencial,
Massageio seu ego,
“Vir-a-ser”, “futuro”, etc, etc.
Ser política com as próprias decisões!

Em meio ao grande mundo,
Amanhã metafísico,
Não me posiciono por,
Puramente, medo.

Tremo – calafrio –
Ao pensar que cada opção,
Concomitantemente, será uma perda,
Uma, não.
Todas as outras.

No final da realidade,
Contemplarei a areia sob esses pés,
Pois a rua extinguiu-se, virou praia,
E a praia dá para um mar eterno de afogamento eterno.

Areia fofa, porque nada construí, pendi.
O cimento é para os fortes.
Areia morna, porque o sol brilhou
E eu não vi as portas se fecharem, no escuro.

Agora não há meios.
Os olhos se enclausuraram em água salgada.


Opiniões críticas são importantes para mim, principalmente quando se trata de poesia! Dê a sua, se tiver!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Médico e o Legista

Contos não imaginados até o fim V

O médico e o legista. Vizinhos de muro, colegas de cordiais “bom dia”s.

Cidade pequena... Sabiam muito um da vida do outro. Suas esposas eram amigas – era possível vê-las voltando a pé da igreja aos domingos, a parolar.

Certo dia, um domingo, ambos esperavam as mulheres na soleira da porta : o médico colocava alpiste para o canário belga; o legista a fumar seu charuto. Cumprimentaram-se, sorriram, e então o silêncio começou a incomodar aqueles dois cidadãos muito polidos. Resolveram quebrá-lo com palavras óbvias.

- A sua esposa também foi à missa? – começou o médico.

- Ah, sim. Vai praticamente todo domingo. A sua também, não?

- Sim. Olhe lá, as duas! – e vinham juntas as mulheres

-Marie fala muito da dedicação de sua mulher à igreja.

- Engraçado... Julie comenta sofre a grande fé de Marie.

- É, de fato. Marie coloca no altar o nome de todos os mortos que examino, e reza para cada um deles ter um bom destino.

- Interessante. Julie também reza para os meus pacientes, para que sobrevivam.

As mulheres chegaram e não mais se tocou no assunto.

Tanto o médico quanto o legista não acreditavam nas rezas de suas esposas. Um perdera muito enfermos inocentes e de bom coração, e outro já examinara cadáveres de bandidos que certamente não iam para o Céu, se esse existir.




A série "Contos não imaginados até o fim" não começou nesse blog, e espero que nem aqui termine. Esta coleção-botão, composta por contos-relâmpago, fará 1 ano em março, e como comemoração, posto sua quinta parte.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Primeiro prêmio

Fui surpreendida pelo Amnésico ao receber dele o Prêmio Escritores da Liberdade. Eis a descrição do selo, criado pelo blog Batom Cor de Rosa:

“Todos temos blogs pelo fato de gostarmos de escrever. Por prazer, profissionalismo, ou qualquer motivo pessoal.
E a maioria gosta de escrever para liberar algum sentimento profundo, seja ele bom ou ruim. Escreve para se encontrar, para analisar a situação depois de algum tempo, ou naquela mesma hora, e também por essa paixão de pôr tudo no "papel".
E estou chamando esses blogueiros de Escritores da própria liberdade.
Escritores sim, mesmo que amadores, que escrevem suas emoções, que não guardam tudo para sí. Que compartilham tudo com pessoas muitas vezes estranhas(entre as conhecidas)... Escritores que admiro muito, por vários motivos, que se destacam de um jeito único, para cada uma das pessoas que os conhecem. Blogueiros que publicam a sua liberdade de expressão.
Estou passando esse selo para 5 blogs que leio muito, que gosto muito.
E isso não significa que eu desconsidere os outros.
Vocês conhecem o "sistema". Passe adiante para outros 5 blogs amigos, copiem esse texto se quiserem, parabéns, escritores da Liberdade! =)”


Meus indicados:

1. Menáge a Trois
2. Veja o que eu vi
3. A Vida Escrita a Mão
4. Midialismo
5. Bobalona

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Comercial

Na mixórdia de gente perambulando a 25 de março, três figuras se destacavam: um moleque, uns 14 anos, talhando o poste de luz com uma faca “butterfly” como quem não tem nada melhor para fazer; um velho magrelo, falando pela boca de dentes pútridos; e, finalmente, uma menina, 15 anos aparentemente, vestida como mulher adulta, ouvindo indignada.

- Mas, meu senhor! Eu entendo a sua posição, mas é que se trata de uma rua, lugar público! Não pode me tirar daqui, não estou fazendo nada.

- Boneca, - o velho cuspiu na sarjeta – todos nós sabemos o que você está fazendo aqui. E é tão ilegal quanto mandar alguém inocente embora de uma rua pública. Não queira arrumar confusão... Isso aqui é a rua comercial mais importante do centro, e essa é a calçada da MINHA loja.

- Ora, deixa eu ficar, vai? Só o senhor reparou em mim, nem estou atrapalhando!

- Opa, opa. Eu reparei em você. – Pelezinho, o moleque, parou o que estava fazendo para lançar um olhar tanto pervertido quanto perverso.

- Cala a boca, Pelezinho. Isso é entre eu e a moça aqui. – e o velho colocou seu braço sobre o ombro dela.

- Sem querer ofender, Seu Barros, mas ela poderia ser sua neta... Tem quantos anos? O mesmo que eu, aposto. E o senhor tem neto até mais velho que eu!

- Muito engraçado, muito! Você, quando chegar na minha idade, vai entender que a vida só está começando! – virou-se para a menina – A belezura está cobrando quanto? Eu pago!

- Vinte reais, duas horas. Quinze, se o senhor deixar eu fazer o ponto aqui.

- Ótimo. Agora chispa, moleque!

(...)

- Pronto, agora que ele se foi, vamos à farmácia para comprar o santo medicamento.

-... o senhor vai mesmo deixar eu fazer ponto aqui, né?

- É, é... Agora, vamos.



(créditos para a imagem, foto da capa de "Valentina 67-68" de Guido Crepax)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

De volta a caverna

O tempo em que lia, absorta e com atenção,
As palavras metafísicas do velho Sócrates
Diluiu-se, exauriu-se numa bruma,
Que jamais encontrará tal coesão.

É que adoeci lá fora.
O ermo, a vastidão inútil
Além da fachada cavernosa foram cancros
Que deixaram na alma sulco nada sutil.

Nunca mais suportarei igual solidão!
A rútila luz das estrelas conheceu
A minha loucura, a minha atroz vertigem,
Momento no qual me perdi tal flâmula em tufão.

Não mais busco a caduca sapiência;
Passei a ser lascivamente pervertida,
A entregar-me a doença fervorosa do amor.
Tornei-me sádica perante a vida em decadência,
Minhas gargalhadas fizeram dela uma comédia.

Adeus, pétrea razão! Adeus, acre solidão!
Apraz-me adentrar a alcova
E, após beber do vinho ambrosia,
Participar, com os homens presos em grilhão,
Da mais ensurdecedora e fremente orgia!