terça-feira, 25 de março de 2008

Homem utópico


Johnny, o cientista. Em seus relatórios sobre o complexo de Golgi, faz poesia, tão belos são os vocábulos, tão profundas são as reflexões metafísicas.
Passa noites em claro, com a pilha de livros, cujo topo pertence à Augusto dos Anjos, e a base, à Baudelaire, ao seu lado, escrevendo teses que depois farão sua instrutora de Biologia perder os cabelos, ou de paixão tresloucada ou de raiva pela quebra do padrão científico. Mal ela suspeita o que aquele galanteador trama na penumbra da matina...
Sissy, a gata siamesa perfeitamente escovada, acaricia os pés de nosso galã. Ele fita-a e pensa no sistema digestório felino e, ao mesmo tempo, a música de Al Stewart, "The Year of the Cat", lampeja em sua mente.
Oh! Homem completo! Para que assim seja, só resta um problema de álgebra booleana! Só lhe falta analisar a face do animal como uma proporção precisa tal qual a dada por uma matriz.
A campainha toca, interrompendo a cena magestosa.
Johnny levanta-se e dá ao entregador de pizza que jaz parado em sua soleira exatamente o valor e vinte e oito reais e quarente centavos.
- Senhor. O refrigerante custa 3,20 e a pizza, 24,50. São 27,70, meu senhor.
Tudo desfaleceu naquela fração de segundos que pareceu milênios. Sissy soltou um miado dramático e saiu pela janela.
Afinal, não poderia ser tão perfeito...