quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A primeira récita de Segunda

Não se espera que as coisas de final de semana aconteçam logo na Segunda. Em São Paulo, se fosse Sexta, ou até Quinta, tudo bem. Mas Segunda é um dia aculturado, mecanizado.

Segunda passada, porém, deparei-me com uma récita na Praça Roosevelt. Era a semana de aniversário da loja de história em quadrinhos de mais renome da cidade, quiçá do país. Eles tinham organizado alguns eventos para a comemoração. Mesmo assim, segunda-feira...?

Quem conhece a Praça Roosevelt, sabe que por ali passam os jovens alternativos da cidade. Entretanto, as figuras que vi naquela noite destoavam do público comum. De longe, até parecia ser um grupo enlutado pela morte de um conhecido, de tão velhos que eram. Mas, aproximando-se, notar-se-ia que estavam radiantes. Compunham uma roda de récita.

Uma récita formada por velhos ou uma récita de segunda-feira - aquela que não aparece ninguém, só zumbis desacreditados, eventualmente? Quis checar.

O primeiro a entoar era um senhor de barba amarela e sandálias gastas. Falava baixo e com a rouquidão dos anos, mas era disposto, e tinha olhar. Seu Castelo - como soube depois - recitou um par de poemas bem estruturados, daqueles de conteúdo que valha a pena e ritmo adequado. Como ele, outros colegas talentosos continuaram. E tudo isso para a minha surpresa de menina convencida.

Envergonhei-me. Lá estava um homem, velho, sim, com a sua catarata, que falava de amor e de liberdade com muito mais propriedade que eu. Ele sentia, pois para escrevinhar é preciso sentir. Sentia profundo, de um modo que eu, superficial que sou no mundo, não posso mergulhar.

Abandono desde já minhas classificações dos dias de semana. Há outros assuntos para se tratar.