Num sábado comum, num almoço em família nada peculiar, eu me senti superior a uma pessoa.
Estava lendo, naquela época, um livro, “O menino do pijama listrado”, de John Boyne, que narra a amizade de um filho de oficial nazista comum judeu de um campo de concentração sob a ótica do primeiro. Impulsionada pela lembrança de Hitler, analisei criticamente o meu sentimento.
Hitler acreditava na existência de uma raça superior e, por conseqüência, em outras, inferiores. Nisso eu me salvei de autocrítica, por acreditar que a importância da descendência para a formação de um ser pensante é ínfima. Com isso, não nego os genes, mas valorizo muito mais a cultura, a criação e os fatos vividos na constituição de uma pessoa.
Porém, Hitler se colocava como o superior. Isso, apesar de por razões diferentes, eu também fiz naquele dia.
A conversa do almoço rumara para o incidente do furto dos quadros no Museu de Arte de São Paulo. De repente, deparei-me com minha tia dissertando, com palavras rudes e com o nariz em pé (só faltando o dedo em riste, subentendido), sobre os quadros que ela julgava horríveis. Disse que não entendia como poderiam coisas tão feias e inúteis ter valor tão alto. Também não compreendia como tantas pessoas poderiam valorizá-las. Foi aí que, boquiaberta, eu a coloquei, inconscientemente, num degrau abaixo do meu.
O que contra-argumentei depois dessa declaração me pareceu tão óbvio que me sentia infantil ao dizê-lo. Falei que arte não tinha mesmo um objetivo além do de ser arte, e isso permitia maior liberdade de expressão ao artista, para criar (e aqui, fecha-se o triângulo de causas e conseqüências) arte. Falei que a beleza é um valor subjetivo que, além de variar de pessoa para pessoa, também varia na história. Citei também o fato de artistas serem consagrados, muitas vezes, pela coletânea de suas obras, e não por apenas uma delas - mas é claro que cada pedaço participa do seu todo. Comentei sobre a regra básica da economia, a lei da oferta e procura.
Refletindo melhor, e com certa distância da cena, vejo que me senti superior por ter como bagagem algumas reflexões sobre coisas cotidianas. Não que estejam certas ou erradas, ou prontas para se vender por aí, mas elas foram construídas com uma base racional, e não uma base subjetiva de impulsos opinativos e instintivos.
Acho que não consigo não me sentir superior por usar o que me faz humana: a minha cabeça.
Pessoas com problemas mentais dão, muitas vezes, o seu melhor para poderem se comunicar com palavras e fazerem silogismos categóricos. Mas minha tia preferiu tomar um café e esquecer a discussão, dando férias aos neurônios e tchau ao seu potencial.
Foi então que saí da mesa de um sábado comum.